De que forma o princípio de afetividade impacta na decisão do juízo sobre quem ficará com a guarda da criança?

Com a dissolução da vida conjugal, faz-se necessário indicar qual dos progenitores exercerá a guarda fática dos filhos em comum. Antigamente, tradicionalmente a guarda era atribuída de forma unilateral – geralmente em favor da mãe, com a tendência maior para a custódia materna, principalmente nos casos em que os filhos ainda contavam com pouca idade.

Atualmente, pela determinação da Lei Federal n. 13.058/2014, o poder familiar deve ser desempenhado por ambos os genitores, pai e mãe, de modo que via de regra é estabelecida a guarda compartilhada. Importante destacar que a guarda compartilhada não é a mesma coisa que a guarda alternada.

GUARDA COMPARTILHADA

Na primeira modalidade, as decisões que envolvem os filhos deverão ser tomadas de forma conjunta pelos genitores, mas também o tempo de convivência com a prole será dividido de forma equilibrada, o que, vale frisar, não significa divisão igualitária.

GUARDA ALTERNADA

Por sua vez, a guarda alternada há uma alternância entre os genitores do exercício exclusivo da guarda, de modo que, enquanto a criança estiver em companhia de um dos genitores, a este caberá tomar as decisões de interesse dos filhos, dirigir-lhes a educação, instrução religiosa, etc, tirando totalmente a autoridade parental do outro genitor. Essa modalidade é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro (art. 1.634, do CCB/2002 – “Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar […]). ”

E isso é o interessante da guarda compartilhada, os pais tomam decisões juntos em favor da prole, atribuindo, assim, as responsabilidades a ambos. Nesse ínterim, é fixado uma residência base ao menor, sendo do pai ou da mãe, o qual ficará encarregado de exercer a guarda fática do filho e, ainda, os cuidados diários referentes este.

Para tanto, o juízo levará em consideração qual genitor detém melhores condições para se responsabilizar pela prole como as condições socioeconômicas, conciliação da vida pessoal e profissional e, principalmente, a afinidade entre o guardião em relação ao filho (responsabilidade, cuidado, condições financeiras, afinidade).

Assim sendo, diferentemente de que era comum nos tempos antigos, a permanência da guarda de fato não é mais estipulada necessariamente em favor da mãe. Muitos pais buscam na justiça o direito de estabelecer a sua residência como o lar da criança, por vezes com a concordância da mãe e tal pleito é assegurado judicialmente conforme julgados recentes, à exemplo da sentença em segundo grau que manteve a guarda de fato das crianças em favor do pai:

[…] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE FIXOU A GUARDA UNILATERAL DOS FILHOS EM FAVOR DO GENITOR, REGULAMENTOU AS VISITAS E ARBITROU ALIMENTOS. RECURSO DA RÉ.   ALEGAÇÃO DE QUE NÃO HÁ ELEMENTOS PARA MODIFICAÇÃO DA GUARDA DO FILHO MAIS NOVO. PROVA DOS AUTOS QUE DEMONSTRA QUE A GUARDA DEVE SER COMPARTILHADA ENTRE OS PAIS, PORÉM FIXADO DOMICÍLIO BASE NA RESIDÊNCIA DO AUTOR. DEPOIMENTOS DOS FILHOS E LAUDOS QUE INDICAM MELHOR CONVIVÊNCIA COM O GENITOR. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. MANUTENÇÃO DO DIREITO DE CONVIVÊNCIA E DOS ALIMENTOS NA FORMA DEFINIDA NA SENTENÇA RECORRIDA.    RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.  (TJSC, Apelação Cível n. 0301380-70.2015.8.24.0048, de Balneário Piçarras, rel. Helio David Vieira Figueira dos Santos, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 16-07-2020).

[…] AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. DECISÃO AGRAVADA QUE FIXOU ENCARGO ALIMENTAR DEVIDO PELA GENITORA E DEIXOU DE DECIDIR SOBRE A FIXAÇÃO DA GUARDA E RESIDÊNCIA DA CRIANÇA.    RECURSO DO AUTOR.   PEDIDO DE FIXAÇÃO DA GUARDA UNILATERAL EM SEU FAVOR. ALEGAÇÃO DE QUE OS LITIGANTES EXERCIAM A GUARDA NA MODALIDADE ALTERNADA. FILHO DE 5 ANOS QUE ALTERNAVA SEMANALMENTE ENTRE AS RESIDÊNCIAS DOS GENITORES. AVENTADA IMPOSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO. PLEITO CONCEDIDO EM PARTE. EXERCÍCIO DA GUARDA ALTERNADA QUE IMPLICA PREJUÍZO À CRIANÇA. MODIFICAÇÃO PARA A GUARDA COMPARTILHADA, ANTE A CAPACIDADE DE AMBOS OS GENITORES EM EXERCER A ATRIBUIÇÃO. RESIDÊNCIA, NO ENTANTO, FIXADA COM O GENITOR AGRAVANTE, POR ATENDER AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. RESGUARDADO O DIREITO DE VISITAS DA GENITORA.   RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4021011-13.2019.8.24.0000, de Indaial, rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 09-07-2020).

Isso pois, leva-se especialmente em consideração o princípio de atender o melhor interesse da criança (Assegurado por meio do art. 1.583 do CCB/02 – Convenção internacional de Haia).

Aliado ao princípio do melhor interesse da criança, advém o princípio da afetividade, o qual atribui valor jurídico nas relações regidas pelo amor, nas sábias palavras da Ministra Nancy Andrighi, no REsp 1.026.981 (REsp 1.026.981 –STJ), por meio do qual sustenta que o Direito não só pode, mas deve cooperar com as relações afetivas, demonstrando, a partir da análise da decisão prolatada, que a área jurídica não pode restar alheia a esse fundamental aspecto, haja vista que a afetividade é um dos princípios basilares do Direito de Família Brasileiro.

Assim, deixar o filho sob a guarda da figura materna, ainda que a vontade predominante da criança seja de permanecer sob cuidados do pai, nos casos em que os menores possuem mais afeição e segurança, seria uma afronta aos princípios destacados e, pior ainda, seria desvalorizar inteiramente o sentimento nutrido entre pai e filho.

“A quebra de paradigmas do Direito da Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes. Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitas raciocínios de ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em conflito. A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideias de fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder Judiciário esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto da união estável. A temática ora em julgamento, igualmente assenta sua premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso” (STJ, REsp 1.026.981/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.02.2010, Dje 20.02.2010).

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Equipe HSR

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